Autores: Ingo Aron Sousa Mello1, Isadora
Junqueira Villela3,
Coautores: Aynna Silva Rangel, Wildder
Alexandre Coelho³. Paola Sayaka Kamimura Constantini³.
1. Médico
Veterinário – Gerente Técnico Ourofino Saúde Animal
Email: ingo.mello@ourofino.com
Email: ingo.mello@ourofino.com
3. Estagiários
Resumo:
O
prolapso parcial de mucosa vaginal é uma afecção do aparelho reprodutivo mais
comumente relatada em vacas com idade superior aos 24 meses, gestantes ou não,
manejadas em sistema intensivo (cocheira ou confinamento), superalimentadas e
submetidas à aspiração folicular. A etiologia é multifatorial estando
intimamente relacionada ao relaxamento dos ligamentos pélvicos e perineais
desencadeados pela gestação, acumulo de gordura perineal e aumento dos níveis
séricos de estrógeno. Clinicamente, na maioria das vacas, é possível observar
exteriorização parcial da mucosa vaginal através da vulva durante o decúbito
esternal, sendo que esta protrusão desaparece rapidamente ou após alguns
minutos, quando a vaca se levanta. Em alguns casos mais severos ou crônicos a
protrusão pode ser permanente e incluir a cérvix, apresentando feridas e necrose
em determinados pontos de sua extensão. O presente trabalho não esgota aqui, mas tem como objetivo
apresentar uma breve revisão de literatura e atribuir a devida importância da
afecção que compromete diretamente a saúde, o bem-estar, a atividade
reprodutiva e o valor zootécnico/comercial do animal, especialmente em propriedades de agricultores familiares que não possuem uma assistência técnica contínua, justificando o
diagnóstico precoce e o tratamento clínico cirúrgico em tempo hábil. Foram
diagnosticadas a princípio em seis vacas Nelore, com idade superior a 24 meses, manejadas em
sistema intensivo e utilizadas em aspiração folicular regularmente. Estes
animais foram submetidos ao procedimento de vaginectomia parcial da mucosa
prolapsada, sendo o pós-operatório dividido em dois grupos de tratamentos com
antibióticos e anti-inflamatórios distintos. Houve recidiva em uma vaca, sendo
necessário novo procedimento cirúrgico, enquanto outra vaca apresentou hemorragia
após exérese da mucosa prolapsada, sendo realizada a hemostasia com auxílio de
compressas e hemostático parenteral. As vacas se recuperaram rapidamente,
independentemente da terapêutica pós-operatória adotada e seguem em atividade
reprodutiva.
Introdução
A inversão e o prolapso vaginal estão entre as afecções
vaginais mais importantes descritas para os animais domésticos (SAH &
NAKAO, 2003; ALVARENGA, 2006). O prolapso vaginal corresponde a saída da parede
do órgão através da vulva, podendo ser, de maior ou menor grau. Na literatura
aparece relacionada ao aumento do estrógeno circulante nas últimas semanas da
gestação, o que induz o relaxamento dos ligamentos pélvicos e perineais,
associado ao aumento uterino durante a gestação, predispondo ao prolapso
(JACKSON, 2004; ALVARENGA, 2006) e geralmente parecem estar correlacionadas a
animais de maior valor comercial como matrizes do rebanho (PRESTES et. al.,
2008), provavelmente por serem animais adultos e mais velhos. Pode ser
classificado em graus (Grau 1, 2 ou 3) dependendo da evolução do problema (SAH
& NAKAO, 2003; ALVARENGA, 2006; DIAS, 2007). No Grau 1, ocorre a protrusão
da mucosa vaginal através da vulva, quando o animal está em decúbito,
desaparecendo quando o animal se levanta; no Grau 2, a protrusão da mucosa
vaginal permanece aparente através da vulva, mesmo quando o animal está em
estação, e podemos observar pequenas lesões, devido ao contato com corpos
estranhos (fezes, capim ou terra) e no Grau 3, há exposição da vagina e cérvix,
as mucosas vulvar e vestibular expostas tornam-se edematosas, inflamadas,
irritadas, infectadas e as vezes necróticas. Outros órgãos podem também estar
contidos na região prolapsada, tais como bexiga e alça intestinal (PRESTES
& ALVARENGA, 2006). Conforme
observado por outros autores, os principais sinais clínicos são a exposição
parcial ou total da vagina através da vulva, inquietação, lesões superficiais
ou profundas na mucosa da porção prolapsada, às vezes grave, com dissolução
total ou parcial do tampão mucoso, retenção urinária, prolapso retal secundário
ao tenesmo, congestão venosa passiva com consequente desvitalização da
estrutura prolapsada, vulvite, vaginite, cervicite e nas fêmeas gestantes é
possível observar abortamento ou morte fetal por contaminação com enfisema
fetal (TONIOLLO & VICENTE, 2003; DIAS, 2007). Diversos procedimentos estão descritos na tentativa
de tratamento ou redução do prolapso, como por exemplo, as técnicas de Caslick,
Buhner ou Flessa, porém são consideradas medidas paliativas, devido a recidivas
após um determinado tempo ou remoção dos meios de contenção (TONIOLLO &
VICENTE, 2003; RICHARD, 2007; PRESTES et. al.; 2008). HELLU (2015) propôs duas
técnicas cirúrgicas para o tratamento do prolapso vaginal, sendo a vaginectomia
parcial com 93,44% de recuperação e a vaginopexia dorsal, com 96,14% e baixos
índices de recidivas, sendo ambas as técnicas consideradas como soluções
definitivas em vacas zebuínas.
Material e Métodos
Durante dois anos foram
diagnosticadas seis vacas nelore com idade superior a 24 meses, manejadas em
uma mesma propriedade. Os sinais clínicos observados em todas as vacas foram muito
semelhantes, sendo estes correspondentes ao Grau 1: exposição parcial da mucosa
vaginal através da vulva, sendo os prolapsos visíveis em cada animal principalmente
enquanto permaneciam em decúbito esternal, mas desapareciam poucos minutos após
os animais se levantarem (Figura 1 e 2) e Grau 2: a protrusão da mucosa vaginal
permanece aparente através da vulva, mesmo quando o animal está em estação, e
podemos observar pequenas lesões (Figura 3). Os animais apresentavam
inquietação, na maioria das vezes as lesões superficiais e poucas eram profundas
na mucosa da porção prolapsada, sangramento, escaras, secreção mucopurulenta,
odor fétido, retenção urinária, disúria, congestão venosa passiva com
consequente desvitalização da estrutura prolapsada, vaginite, cervicite (Figura
4), confirmando o mesmo encontrado pelos demais autores referenciados no
presente trabalho. Estas vacas, durante o período de manejo em baia/cocheira, geralmente
defecavam mesmo deitadas, e as fezes atingiam diretamente a mucosa prolapsada.
Estas vacas apresentavam maior peso corporal, quanto comparadas aos animais de
mesma categoria manejadas em sistema extensivo e o prolapso era maior, sendo
sempre visível seu contato com a cama das baias forradas com casca de arroz,
predispondo a lesões, dor e infecção. Quando manejadas a campo, as vacas
perdiam peso e a extensão prolapsada era reduzida, mas os sinais clínicos eram preservados,
sendo que muitas vezes a porção prolapsada mantinha contato com o solo e capim.
Tais sinais clínicos impossibilitavam muitas vezes a aspiração folicular,
inseminação artificial ou até mesmo a monta natural, comprometendo a aspiração
de folículos ovarianos e consequentemente reduzindo os lucros da produção e
aumentando os custos devido à manutenção de vacas improdutivas no rebanho.
Figura 1: Prolapso parcial de mucosa vaginal em vaca nelore, estrutura
prolapsada visível durante o decúbito esternal. Animal manejado em baia com
casca de arroz como cama.
Figura 2: Animal
em estação não apresenta exteriorização da mucosa vaginal para o prolapso de
Grau 1.
Figura 3: Prolapso parcial de mucosa vaginal em vaca nelore,
estrutura prolapsada visível mesmo quando o animal permanece em estação.
Figura 4: Após tração manual da mucosa prolapsante é possível
observar danos na mucosa.
Para o tratamento dos animais optou-se pela técnica
de vaginectomia parcial da mucosa prolapsada (amputação da porção prolapsada),
utilizando pinças de inox produzidas para tal finalidade (Figura 4), sendo
responsável pela tração, fixação, estabilidade e delimitação da porção a ser
seccionada e profilaxia pós-cirúrgica com anti-inflamatórios e antibióticos.
Os animais foram submetidos a jejum total de 12
horas e em seguida conduzidos individualmente para o tronco de contenção e
permaneceram em estação durante todo procedimento (Figura 5). As vacas foram
palpadas para retirada do conteúdo fecal residual ao jejum. Com a cauda
firmemente contida, o períneo e vulva foram higienizados com agua abundante e
detergente neutro e posteriormente desinfecção da vagina com clorexidine 2% e
agua abundante. Inicialmente a porção prolapsada foi tracionada manualmente com
a utilização de gaze estéril e pinças obstétricas para melhor firmeza e
identificação dos tecidos. Uma sonda de Foley n° 22 foi colocada na uretra de
cada animal com o objetivo de direcionar o conteúdo urinário residual para
longe do campo operatório, conferindo maior segurança quanto à contaminação da
área cirúrgica (Figura 5).
Figura 5: Sonda de Foley devidamente colocada, prolapso
tracionado com pinça obstétrica e fixado com pinça dimensionada para
vaginectomia parcial.
Para o procedimento cirúrgico, os animais foram
anestesiados com 80 mg de cloridrato de lidocaína a 2% pela via epidural baixa,
após desinfecção local com álcool iodado, utilizando seringa de 10 ml e agulha
40 mm x 12 mm. Posteriormente o ânus foi suturado provisoriamente em padrão
bolsa de fumo utilizando Nylon 0,7. A mucosa foi tracionada e a região
prolapsante fixada com pinça específica e anestesiada através da infiltração
local com 400 mg de lidocaína 2% associada à epinefrina 2%, utilizando seringa
de 20 ml e agulha 30 mm x 10 mm (Figura 6). Na porção anterior à fixada com
pinça, suturou-se com Vicryl 2.0 em pontos simples separados, com distancia de
0,5 cm entre os pontos. Para maior segurança um novo plano de sutura paralelo
ao primeiro foi feito distando também 0,5 cm (Figura 7). Na prolapso fixado
pela pinça, e distando 1 cm da mesma, realizou-se a amputação da porção
prolapsada com bisturi (cabo n° 4 e lamina de bisturi aço carbono n° 22)
(Figura 8). Após a amputação a pinça foi retirada.
Figura 6: Anestesia local infiltrativa com lidocaína
2%.
Figura 8
Resultados
Imediatamente após o procedimento cirúrgico, com os
animais ainda contidos, a mucosa vaginal e o plano cirúrgico foram examinados
para verificar a integridade e o padrão de sutura, bem como possíveis
hemorragias e deiscências de pontos. Todos os animais foram tratados com
antibióticos e antiinflamatórios, sendo divididos em dois grupos distintos de
acordo com o medicamento utilizado, conforme a Tabela 1. No Grupo I, foi
utilizado o antibiótico Penfort PPU® (Benzil Penicilina G Benzatina
10.000.000 UI + Benzil Penicilina G Procaína 10.000.000 UI +
Diidroestreptomicina Sulfato 20g) na dose de 50ml e como anti-inflamatório
Cortiflan (Fosfato Sódico de Dexametasona 200mg) na dose de 20g ou 10ml do
produto, ambos em dose única. No Grupo II, foi utilizado 50ml de Ourotetra Plus
LA, uma associação de antibiótico (Dihidrato de Oxitetraciclina) com
anti-inflamatório (Diclofenaco de sódio).
Tabela 1: As vacas foram divididas em dois grupos
conforme o tratamento pós-cirurgico realizado
Grupo
|
Animal
|
Antibiótico
|
Anti-inflamatório
|
(Antibiótico
+ Antiinflamatório)
|
|||
I
|
01
|
Penfort PPU
|
Cortiflan
|
-
|
|||
02
|
Penfort PPU
|
Cortiflan
|
-
|
||||
03
|
Penfort PPU
|
Cortiflan
|
-
|
||||
II
|
04
|
-
|
-
|
Ourotetra Plus LA
|
|||
05
|
-
|
-
|
Ourotetra Plus LA
|
||||
06
|
-
|
-
|
Ourotetra Plus LA
|
||||
Quanto à recuperação dos animais, no
Grupo I, apenas a vaca número 02 apresentou complicação após a cirurgia. No
momento da amputação do prolapso, houve hemorragia persistente durante seis
horas, com perda estimada em aproximadamente oito litros de sangue, porém o
animal manteve o apetite preservado e ingestão regular de água, não
apresentando sinais clínicos dignos de relato. A hemorragia foi contida
utilizando 2,5 g de ácido tranexâmico (Transamin® 50 mg/ml) e 0,04 g
vitamina k como hemostáticos parenterais, além de compressas estéreis
introduzidas dentro do canal vaginal. No dia seguinte as compressas foram
removidas e o plano de sutura avaliado, sendo possível certificar que sua
integridade foi mantida (Figura 8). A vaca número 04, do Grupo II, apresentou
recidiva da porção prolapsada, com menor exposição, cerca de 15 dias após o
procedimento inicial, devido a ressecção primária insuficiente, necessitando de
nova interferência cirúrgica que ocorreu 55 dias após a primeira. Todos os
animais se recuperaram plenamente, não apresentaram prolapso de mucosa vaginal
até o momento e seguem em atividade reprodutiva regular (Tabela 2).
Figura 8: Mucosa vaginal e plano de sutura íntegros.
Tabela 2: Observações referentes à recuperação clínica
dos animais, outros procedimentos necessários e atividade reprodutiva atual.
Grupo
|
Animal
|
Observações
|
Outros Procedimentos
|
Atividade
Reprodutiva Atual
|
01
|
-
|
-
|
Aspiração
Folicular
|
|
I
|
02
|
Hemorragia
|
Compressas
|
Aspiração Folicular
|
03
|
-
|
-
|
Aspiração
Folicular
|
|
04
|
Recidiva
|
Nova Cirurgia
|
Gestante
|
|
II
|
05
|
-
|
-
|
Aspiração
Folicular
|
06
|
-
|
-
|
Gestante
|
Conclusões:
O prolapso parcial da mucosa
vaginal, na espécie bovina, sempre esteve associado ao período final da
gestação, podendo evoluir para prolapso uterino pós-parto. A proposta do
presente relato é apresentar com clareza uma abordagem clínica cirúrgica
confirmando o sucesso de procedimentos apresentados por outros autores e reforçar
a necessidade do diagnóstico precoce, tratamento cirúrgico imediato de maneira
que facilite os procedimentos e permita que a vaca entre em trabalhos
reprodutivos mais rapidamente. O uso de antibióticos e anti-inflamatórios
durante o pós-operatório é fundamental para a rápida recuperação dos animais
submetidos à vaginectomia parcial.
REFERENCIAS:
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PRESTES,
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SAH, S.K.;
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