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Fadiga por Compaixão e Burnout em Medicina Veterinária

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Ou o custo de cuidar do Outro em sofrimento...

Recente pesquisa realizada no Reino Unido mostrou que a taxa de suicídio entre Médicos Veterinários é quatro vezes superior que no restante da população e duas vezes superior que entre outros profissionais de saúde. No Brasil muitos profissionais desistem da carreira, assolados por dúvidas, inseguranças, frustração e decepção.
Mas o que é tão específico na profissão do Médico Veterinário? Bem, lidamos com a morte cinco vezes mais que outros profissionais de saúde; independentemente de nossa especialidade provavelmente acompanharemos a morte de todos os nossos pacientes. Entretanto há muitos outros fatores; a falta de reconhecimento profissional, baixa remuneração, falta de espaço pessoal e o convívio com animais (e seus tutores) em sofrimento se somam podendo levar ao desenvolvimento da Síndrome da Fadiga por Compaixão e ao Burnout.
Neste artigo pretendo explorar as razões emocionais que muitas vezes levam à frustração profissional entre MVs, notadamente a Fadiga por Compaixão e o Burnout, como também como identificá-las e o que podemos fazer a respeito.

O Termo Fadiga por Compaixão ainda é pouco conhecido no Brasil e geralmente é confundido com o termo mais abrangente e popular Burnout. Afinal o que são e quais as diferenças?

O Burnout é resultante da insatisfação geral e crônica com o ambiente de trabalho. O termo foi criado no início dos anos 90 na tentativa de entender o adoecimento emocional e psicossomático entre enfermeiros, entretanto rapidamente foi estendido a outros profissionais, sem explicar o adoecimento específico dos profissionais de sáude.

Foi criado, então, o conceito de Fadiga por Compaixão, que abarca várias características do Burnout, mas também outras especificamente relacionadas ao trabalho de profissionais de saúde. Ou seja, enquanto o Burnout trata da exaustão daqueles que trabalham com o OUTRO, a Fadiga por Compaixão trata daqueles que trabalham com o OUTRO EM SOFRIMENTO. Assim, enquanto o Burnout é resultante da insatisfação com o ambiente de trabalho, a Fadiga por Compaixão refere-se à exaustão emocional (com reflexos psicossomáticos) decorrente do trabalho com indivíduos em sofrimento; decorre do peso de se importar, do estresse de dispensar compaixão. A Fadiga por Compaixão é então definida enquanto “uma síndrome de exaustão biológica, psicológica e social que pode acometer indivíduos que liberam energia psíquica, em forma de compaixão, a outros seres (humanos ou animais) por um período de tempo, sem se sentirem suficientemente recompensados.”

Para entendermos melhor o conceito é importante definirmos empatia e compaixão. Na empatia temos o compartilhamento de emoções com o outro mais a consciência da diferenciação entre o Eu e o Outro (o compartilhamento de emoções sem consciência é chamado de contágio emocional). Na empatia também temos a flexibilidade mental, ou seja a simulação cognitiva de como nos sentiríamos, pensaríamos, reagiríamos se estivéssemos no lugar do outro – este processo é controlado e resultante de esforço intencional.

Já a compaixão é uma conexão emocional, conexão essa que faz com que o sujeito aja no sentido de aliviar a dor do outro (aqui, além dos componentes da empatia, surge a necessidade de agir em prol do outro, do alívio de seu sofrimento).

Na prática clinica, nós MVs temos compaixão tanto em relação aos nossos pacientes em sofrimento quanto em relação aos tutores. O que torna específica a Fadiga por Compaixão em nossa profissão é que temos defesas muito mais elaboradas para lidar com o sofrimento de outro ser humano do que com o de um animal.

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Todos nós somos regidos por 1 sistema internalizado de crenças pessoais:
Sou bom;
Sou dedicado;
Sou empático;
Sou competente;
Tenho conhecimento;
Posso ajudar meus pacientes;
Salvo vidas;
Etc...

No contato com o sofrimento alheio em geral sofremos danos constantes ao sistema de crenças pessoais; não gostamos de alguns clientes/pacientes; somos incompetentes em alguns casos que atendemos, ignorantes de algumas condições e falhamos muitas vezes em ajudar nossos pacientes e confortar nossos clientes. Além disto, muitas vezes somos mal remunerados e nossos esforços não são reconhecidos. Este abalo sistemático no nosso sistema de crenças pessoais vai cobrar seu preço ao longo do tempo.


Sinais da Fadiga por Compaixão

Temos sempre que ter em mente que as consequências da Fadiga por Compaixão não são óbvias, principalmente para o próprio indivíduo acometido. Lembrem-se que esta Síndrome tem consequências psicológicas, sociais e físicas. Dentre alguns dos sinais temos:

- Dificuldade de concentração
- Diminuição do rendimento profissional
- Sentir-se desencorajado ou abatido
- Sentimento de impotência para resolver todos os problemas
- Exaustão
- Irritabilidade
- Conflito com outros (dentro e fora do ambiente profissional)
- Deterioração das relações interpessoais
- Diminuição do estado de saúde geral
- Diminuição da compaixão pelos outros
- Problemas gastrointestinais
- Dores de cabeça
- Cansaço
- Insônia
- Desesperança
- Questionamentos sobre a vida, a profissão e a importância e competência pessoais
- Ceticismo
- Culpa excessiva



O  que fazer?


Não temos que esperar que o quadro de Fadiga por Compaixão se instale para só então tomarmos alguma atitude. Na verdade há algumas atitudes simples que podemos adotar de imediato. Dentre estas as mais importantes é fazermos algo – mensurável, que envolva uma rotina – para nós mesmos; por exemplo pararmos para almoçar todos os dias (e fazermos deste tempo um momento prazeroso, sem interrupções), entrarmos numa academia x vezes por semana, irmos todas as quartas-feiras ao cinema, etc... O importante aqui é tornar estes momentos pessoais rotineiros e não desistir deles, mesmo que tenhamos inúmeras coisas mais urgentes a fazer, estarmos cansados, sem vontade...

Outro fator importante é que muitas vezes a prática clínica é solitária e temos poucas oportunidades de compartilhar nossos casos mais complicados e frustrantes. Compartilhe, compartilhe, compartilhe, seja com colegas do próprio ambiente de trabalho como com outros amigos. Pode ser uma ótima idéia falar com antigos colegas da faculdade.

Lembre-se sempre:

Você é um herói realizando alguns dos trabalhos mais difíceis e mais importantes para animais. Sinta-se orgulhoso de você está fazendo a diferença. Saiba e reconheça que você é parte ativa da solução.

Dê uma olhada no porquê você é tão dedicado a ajudar os animais. Certifique-se de que você não está colocando o bem-estar dos pacientes antes de seu próprio. Você precisa se cuidar primeiro. Se você não cuidar de si mesmo, você não terá nada restando para oferecer.

Cuide de você. Se você não estiver bem poderá fazer muito menos.

Pratique criar limites emocionais. Você precisa se proteger contra as toxinas da dor emocional dos outros. Quando você assume problemas e dor alheios como se fossem seus, você é muito menos capaz de ajudar o Outro em sua dor e sofrimento, justamente o que originalmente se propôs a fazer. Lembre-se, isto não é empatia nem compaixão, é contágio emocional!

Encontre tempo em sua vida para relaxar e se divertir. Pode parecer infactível, mas é imperativo para o seu bem estar. Você tem algum hobby? Cultive as atividades e interesses que nada têm a ver com seu trabalho. Você precisa recarregar suas baterias e rejuvenescer a sua alma.


Todos nós temos nossos próprios problemas. Trabalhe na identificação dos seus; é importante enfrentar nossa própria dor e ter o cuidado de não tornar-se viciado em ajudar a curar os outros em vez de nós mesmos.Está tudo bem buscar ajuda profissional!


Estabeleça limites; você não tem que necessariamente estar disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano!

Você pode lidar com emoções fortes. Você não precisa evitá-las, mas sim processá-las. Angústia, tristeza, raiva e culpa estarão sempre presentes em seu trabalho.Você pode ter estes sentimentos –  eles não vão transbordar e destruí-lo. Se você negá-los, vão “infeccionar” e levá-lo ao Burnout.

Aceite tanto a sua realidade quanto suas próprias limitações. Mesmo que vc queira, não pode salvar todos os animais que atende. Cada um de nós pode fazer a diferença, um animal de cada vez, e você provavelmente está fazendo um trabalho incrível nesse sentido todos os dias.
Sobre o autor
Alexandre Bastos Baptista
M.V. CRMV-SP 31972 e Psicólogo Clínico CRP-SP 42197-8
É membro do Psiconvet - Estudos em Psico-Oncologia Veterinária. É Endocrinologista Veterinário, atuando em São Paulo, Alphaville e ABC e Webmaster dos sites endocrinologiaveterinaria.com e psiconvet.org.

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